
Com o início da revolução industrial nos meados do século XVIII tivemos uma grande mudança na forma como a sociedade se organiza, pensa e age. Com o avanço tecnológico criou-se uma grande necessidade de mão-de-obra nas grandes cidades, esvaziando assim o mundo rural.
A exploração natural e a perda de valores da sociedade foram alguns dos sacrifícios necessários para se ter acesso às novas tecnologias e riquezas. Nasce então a sociedade de consumo, concebida a partir dos supermarkets americanos. As compras não são feitas mais apenas por necessidade, mas por comodismo, status e desejo de ser ter ou consumir um produto. A publicidade se torna uma grande influência para o consumidor.
A partir de 1980, vários desastres ambientais como o acidente de Chernobil, chuvas ácidas, e a presença do CFC na camada de ozônio iniciam uma demanda por produtos que respeitam o meio ambiente, porém por uma imaturidade da cadeia de produção e distribuição, estes novos produtos geralmente são produzidos com materiais medíocres, revestidos de cores vegetais e nomes naturais com um objetivo simplório de limpar a Terra. No final dos anos 80 a equação parece ser insolúvel: 20% da população mundial consomem 80% dos recursos naturais extraídos.
No início dos anos 90 surge pela primeira vez o conceito de desenvolvimento sustentável: “Um crescimento para todos, assegurando ao mesmo tempo a preservação dos recursos para as futuras gerações…”. Abre-se então um novo horizonte ao discurso ambiental rompendo os antigos modelos econômicos, e integrando o meio ambiente com o futuro econômico, social e cultural das sociedades humanas.
No entanto, para alcançar estas metas, deve haver uma mudança na forma em que os indivíduos se comportam na sociedade: consumir menos, produzir menos lixo/poluir menos, ajudar os mais necessitados, economizar energia são alguns dos comportamentos ideais e os designers de interação são peças fundamentais para incentivá-los.
Desenvolvimento
Desde a revolução industrial, a comunicação através do marketing e do design vem influenciando pessoas e moldando comportamentos. O design também está diretamente ligado à produção dos bens de consumo; antigamente o designer tinha como meta principal a produção de objetos úteis: uma faca tem por objetivo cortar bem. O objeto deveria ter também um aspecto bonito afim de proporcionar uma boa experiência ao usuário. Era necessária então uma equação entre forma e função.
Os designers estão acostumados a criar sem ter que pensar nas conseqüências de suas criações no ambiente, nas outras espécies e nas outras pessoas. Hoje em dia o designer deve assumir a responsabilidade em cima de sua criação: pensar no ciclo produtivo, sua relação com o consumidor e até mesmo a descartabilidade do produto. Já estamos sofrendo as conseqüências da exploração exagerada dos recursos naturais e do consumismo presente em nossa sociedade.
O designer de interação é o responsável por planejar a forma com que o usuário/consumidor se relaciona com um objeto e consequentemente com o ambiente e a sociedade: desta forma, o designer pode moldar o comportamento das pessoas. Ao criar um produto, o designer deve levar em conta os fatores humanos, ambientais e sociais de forma que este se adeque ao usuário e a também à toda sociedade de forma sustentável.
Os principais aspectos que determinam se um produto ou serviço são sustentáveis são:
- Ecologicamente correto
- Economicamente viáve
- Socialmente justo
- Culturalmente aceito
Uma das formas em que o designer de interação pode moldar o comportamento para que as pessoas ajam de forma sustentável é identificando o uso dos produtos: observando os usuários e suas relações com os objetos do dia-a-dia, o designer consegue identificar fatores como: a necessidade de duração de um objeto, a melhor maneira de utilização, a forma em que o usuário o descarta e assim propor otimizações nos processos de produção, utilização, descarte e reciclagem. Para contribuir para a proliferação de comportamentos eco-sustentáveis, o designer de interação pode adotar as seguintes características em seus projetos: durabilidade, miniaturização/multifuncionalidade e a transformação de produtos em serviços.
Durabilidade
Um objeto durável, evita que o consumidor tenha necessidade de comprar outro produto para substitui-lo (outro produto demanda maior consumo de recursos naturais e emissão de poluição).
A evolução na tecnologia dos computadores é um exemplo negativo: todo dia um computador mais rápido e com mais recursos surge fazendo com que o consumidor queira ou tenha que comprar um novo.
Para solucionar este problema existem várias alternativas: uma delas é a possibilidade de se adicionar mais recursos ou peças que tornem o modelo antigo mais rápido, evitando assim a fabricação de um novo modelo e o descarte do antigo.
Outras soluções para se aumentar a durabilidade de um produto são: procurar aparências menos subordinadas às modas, favorecer o reparo e a manutenção e criar uma relação afetiva entre o utilizador e o objeto.
Esta ultima solução é determinante para a durabilidade dos objetos: as pessoas guardam os objetos em função das relações – utilitárias, hedonistas ou cognitivas – que estabelecemos com eles. Os objetos tem significados para as pessoas e este significado é um determinante para a pessoa guardar ou não o produto.
O designer de interação pode agir criando este significado do produto através de sua forma ou função. Cada vez mais, para convencer, um produto deve ter uma história a contar, informar sobre seu uso, satisfazer uma necessidade real e garantir que não será poluídor no futuro. Educar as pessoas a consumir produtos duráveis é uma solução que pode incentivar comportamentos sustentáveis.
Miniaturização/multifuncionalidade
Uma tendência crescente no mercado de produtos eletrônicos é a mobilidade; cada vez mais os designers criam produtos pequenos e leves que os consumidores possam levar com facilidade para qualquer lugar. Muitas vezes é possível diminuir o tamanho e aumentar a performance sem aumento de custo de produção e gastando menos matéria prima.
Outra tendência é a multifuncionalidade; aparelhos com mais de uma função, como os celulares. Para a maioria dos usuários comuns, as câmeras digitais incorporadas em celulares é suficiente para o uso do dia-a-dia. Muitas pessoas também escutam rádio e mp3 pelo celular.
Com várias funções em apenas um aparelho, muitos consumidores deixam de comprar diversos produtos para funções diferentes o que reduz drasticamente a quantidade dispositivos eletrônicos fabricados no mundo.
Tanto a miniaturização quanto a multifuncionalidade, quando bem trabalhadas pelos designers, estimulam um desejo no consumidor de se ter apenas um aparelho, pequeno, leve e portátil em que ele consiga fazer tudo, reduzindo seu consumo de energia, baterias, pilhas, cartões de memória e mudando a forma do usuário se relacionar com seus produtos em busca de uma solução mais ecologicamente correta.
Transformação de produtos em serviços.
Outra maneira em que o designer pode moldar o comportamento dos consumidores afim de se estimular uma atitude sustentável, é através de uma alteração drástica na indústria e nos modelos empresariais, transformando produtos em serviços: ao invés de vender o produto ao consumidor, a empresa o aluga, criando assim uma nova relação com seus clientes pela atenção e pelo acompanhamento permanente de suas necessidades.
Oferecer um produto eqüivale a vender um resultado. Isso permite com que a empresa proponha um resultado mais adequado, mais original, mais confortável e às vezes mais barata a uma necessidade. Por exemplo, em vez de possuir um carro, um serviço de locação oferece diversos tipos de veículos, mais apropriados à utilização e que respondem as necessidades de deslocamento do usuário. Com isto a produção de veículos cairia drasticamente, assim como o número de veículos parados em garagens sem nenhum uso.
Sendo assim o designer de interação também deve pensar na experiência do usuário ao se oferecer um serviço: designers não devem ficar presos somente aos produtos e suas criações. A mudança da oferta de serviços no lugar de produtos, cria um novo tipo de comportamento entre os consumidores, onde cada indivíduo consome e usa apenas o necessário para que ele se mantenha.
Conclusão
O grande desafio de nosso tempo é viver em ambientes sociais e culturais onde nossas necessidades e desejos sejam atendidos de forma ética e não prejudicial à natureza. O design é fundamental neste processo em direção ao futuro sustentável, repensando a forma em como se produz e se entrega produtos e serviços, quais valores estão sendo estimulados e divulgados, quais aspirações e desejos estão sendo gerados no consumidor.
O designer de interação deve observar os consumidores e suas relações com os objetos do dia-a-dia, afim de buscar maneiras criativas e novos conceitos para projetar produtos e serviços, repensar a utilização dos materiais, aperfeiçoar técnicas de fabricação, montagem, desmontagem e descarte estimulando e moldando o comportamento das pessoas.
A redução do peso ou tamanho do objeto, a multifuncionalidade dos equipamentos e a transformação de produtos em serviços são só algumas maneiras de estimular as pessoas a consumir menos, a mudar a cultura do descarte, do desperdício e da obsolescência programada visando um planeta sustentável e sem comprometer as possibilidades das gerações futuras em satisfazer seus desejos e necessidades.
Referências Bibliográficas
Preece, Jennifer. Design de Interação. Porto Alegre: Bookman, 2005.
Bezerra, Charles. O designer humilde. São Paulo: Rosari, 2008.
Kazakian, Thierry. Haverá a idade das coisas leves. São Paulo: Editora Senac, 2005.
Flusser,Vilém. O mundo codificado. São Paulo: Cosac Naify, 2007.